LiveCD 1.0-RC2, edição MATE
O desenvolvimento da distro Adélie ficou muito tempo parado porque se dedicou a um programa de instalação simultaneamente gráfico e scriptável, chamado Horizon, que desviou muitos recursos do sistema-base. Muita coisa se passava nos bastidores mas exteriormente não havia novas releases.
No entanto, uma reorganização recente incutiu-lhes vento nas velas e o site está muito mais bonito, profissional e organizado, as mailing-lists fazem mais sentido, e o progresso parece estar a acelerar.
Na versão que testei há bastante tempo (1.0-beta4) o Horizon estava completamente inoperacional e tive de usar o método de instalação manual; mesmo assim, esse método é interessante, porque é um bom exemplo de como fazer o bootstrap de um sistema Linux a partir de um repositório de binários, em vez de código-fonte como no Gentoo ou LinuxFromScratch, que demora muito mais.
Para testar a instalação do sistema, descarreguei o LiveCD para x86_64 baseado em MATE, mas existem opções KDE e LXQt, em arquitecturas ARMv7, ARM64, PPC, PPC64 e x86.
Configurei no VirtualBox (6.1.22) uma VM Other Linux (64-bit) com 1GB de RAM, e o resto mantive nos defaults.
Enter
) para arrancar.
Problemas iniciais
Logo no ecrã inicial do MATE se vê a falta de polimento: clicar em Computer dá erro, e as “partições” proc e tmp deviam estar escondidas
Isto é apenas cosmético, mas é um pequeno aperitivo para o que nos espera…
Para arrancar com o instalador HorizonUI, Applications > System Tools > System Installation
Feche o instalador que abriu pelo menu gráfico
Abra um terminal:
Applications > System Tools > MATE Terminal
Mude para a conta root:
$ su -
; a palavra-passe é live
# horizon-ui
System > Preferences > Hardware > Power Management > Display Sleep = Never
, e em System > Preferences > Look and Feel > Screensaver
, desligar Activate when idle
e Lock Screen
; depois de a instalação iniciar esses painéis de configuração não podem ser abertos. Ambos são necessários.Foi testado em VirtualBox e VMware Workstation/Player
A estrutura do instalador é parecida com um wizard:
Continue
Keyboard Layout
Load Firmware
: o Adélie inclui firmware não-livre para placas gráficas e Wi-FiSelect Installation Disk
Select partitioning Type
: Erase and Use the Whole Disk ou Manual (escolhi Whole)Networking Setup
: Automatic ou Manual - e aqui temos o primeiro showstopper, porque o acesso à rede é considerado obrigatório para a instalação e este passo tem muito por onde dar asneira.
Escolhendo Manual, preenchemos os dados do costume para configurar o endereçamento IPv4 e IPv6 e seguimos, mas nada é feito para confirmar se os dados estão correctos; um endereço na gama multicast e uma gateway na classe E são aceites como válidos neste passo do instalador e o funcionamento da rede não é testado (com um ping para o endereço DNS indicado, por exemplo)
Automatic é DHCP, como seria de esperar, e não consegue obter um endereço, nem sequer inicia uma negociação DORA (Review DHCP Log). E isto acontece porque o HorizonUI não está a correr com privilégios de sistema…
Abrindo um terminal, rapidamente percebemos que:- O próprio LiveCD arranca sem acesso à rede, porque o DCHP tem de ser activado manualmente (
# dhcpcd eth0
) - Pelo caminho, também deu para perceber que o sistema de ajuda man também não está configurado (“You’re on your own, kid!")
- E finalmente, mesmo com o DHCP ligado no sistema, a porta eth0 levantada, com IP atribuído e acesso ao exterior, o HorizonUI continua a falhar no passo da configuração de rede porque não consegue fazer uma negociação DORA.
A solução é invocar o instalador a partir da conta root (a palavra-passe élive
), com# horizon-ui
Seguimos com a instalação: Date and Time Settings
(se não se tiver usado# horizon-ui
, não é possível ajustar a data e hora, só a Timezone)Computer Name
Software Selection
Standard
: instala um sistema KDE completo (mas eu escolhi um LiveCD MATE?)Mobile
: KDE como acima, mas com drivers e ajustes mais adequados para portáteisCompact
: LXQt muito básicoText-only
Custom
: a única maneira de instalar o MATE
Startup Configuration
: se queremos instalar um bootloader (neste caso, sim)Set Root Passphrase
User Accounts
(podem-se criar várias, mas é preciso configurar pelo menos um utilizador)
E no final de tudo, caso não tenha seguido o meu conselho inicial, depara-se com outro problema de falta de permissões (neste caso, para gravar o script de instalação)
Caso se tenha activado o instalador como root, a instalação inicia-se:
E termina:
No entanto,Finish
não reinicia o sistema como prometido. O que até não é mau porque permite fazer Shutdown, tirar o ISO da drive óptica e arrancar com calma.
Standard
Não só instala mesmo o KDE, como nem sequer honra o esquema de teclado que escolhemos no instalador; eu tinha escolhido pt
:
Mobile
É exactamente igual a Standard mas inclui drivers para periféricos mais vulgares em portáteis, como trackpads e gestores de bateria; não tenho como testar essas funcionalidades.
Compact (LXQt e instalação mínima)
Crasha durante a instalação e deixa o sistema incapaz de arrancar; note-se que depois de dar o erro, tentei usar o LiveCD LXQt em vez da versão MATE para ver se ajudava, mas alguma coisa parece estar errada nos repos ou no script da instalação do LXQt e dá erro na configuração das consolefonts (mais uma vez, a instalação no disco rígido depende apenas do script Horizon e dos repos do Adélie, e o LiveCD é apenas um ambiente gráfico para o instalador)
Opções utilizadas pelo script Horizon:
Log de erro:
Custom
Parece ser a única forma de instalar o MATE ou XFCE.
A opção Custom
tem mais páginas:
Software Selection
: conjuntos de pacotes as instalar; detalhado em baixo para cada casoSoftware Choices
: permite escolher três opções muito particulares:Shell
: Dash (compatível POSIX), ou Bash (compatível GNU)Init
: S6-linux-init (+ OpenRC) (uma tentativa do mundo MUSL para ter algo similar ao Systemd, que apenas suporta GNU glibc) ou SysV InitUevent
: eudev (estável) vs mdevd (mais dinâmico e moderno mas instável)- Foi sempre escolhido Bash, S6 e eudev
O Software Selection
foi definido como:
☐ Desktop Environments
- ☑ KDE Plasma 5
☑ Documentation
☑ Internet Software
A imagem abaixo é de outra tentativa de instalação, com o MATE:
Depois de instalar, pendura no primeiro arranque; nenhum VTY responde e o processo de login não se inicia.
Não tenho imagem porque os screenshots saíam vazios, o que me fez desconfiar de de uma incompatibiliade com a placa gráfica do VirtualBox (VMSVGA)
Decidi testar a mesma configuração de instalação no VMware Workstation: o arranque chegava ao fim, mas o VTY 7 (onde costuma estar a consola gráfica) só tinha um cursor a piscar; e o comando startx
dava not found
Comparando os relatórios das opções do script de instalação (installfile
) nas opções “Standard” e “Custom”, acabei por perceber que na instalação “Custom” não eram instalados dois pacotes fundamentais para o ambiente gráfico, o sddm
(que gere o login gráfico e a escolha de DE para essa sessão) e o próprio X11
E note-se que o teclado configurado na consola continuava a ser US.
Testei também a instalação “Custom” do MATE (como visto acima) e o LXQt, com o mesmo resultado
Conclusão
Por muito que simpatize com a distribuição Adélie, usá-la é um exercício de frustração que me lembra os piores tempos do início do Linux (e o meu primeiro Linux foi um RedHat 4.5 - não RHEL, RedHat). Faltam-lhe vários anos de polimento e debugging, aquele trabalho chato que ninguém quer fazer, que as distribuições GNU/Linux que sobreviveram já fizeram (Debian, SuSE, RedHat, Arch), e de que as variantes (Ubuntu, Mint, Manjaro, etc.) se aproveitam.
Neste momento, creio que o Adélie pode ser criticado por:
- oferecer LiveCDs que não são suficientemente funcionais para testar o sistema (quer dizer, sem acesso à rede sequer?)
- e que não contêm os pacotes necessários para instalar num sistema sem acesso online aos repos do Adélie; sim, o tamanho do LiveCD iria aumentar imenso, mas é o que um LiveCD é suposto ser.
- a instalação standard oferecida por cada LiveCD para instalar no disco de sistema não ser a mesma variante de DE do próprio LiveCD e ser sempre o KDE; mais uma vez, o LiveCD deve ser uma representação fidedigna do que vai ser instalado em disco, se bem que também deve oferecer o instalador completo.
- A instalação
Custom
que oferece os DEs alternativos ao KDE não terminar a instalação - O LiveCD não ter o DHCP activado de raiz, que corresponderia a 90% (número tirado da cartola) das necessidades.
- não incluir manpages
- não incluir uma cópia da documentação online dentro do LiveCD
- o instalador não ser funcional a partir do utilizador da GUI
- e tudo isto poderia não ser tão grave, se o Adélie fosse uma distro GNU/Linux normal, mas não é.
Em resumo, o Adélie é uma distribuição apenas para utilizadores muito avançados e se possível já com experiência em Alpine Linux, que usa o mesmo package manager (APK) e onde se baseia muito do userland do Adélie.
Submeti algumas destas informações como Issues no site de desenvolvimento do Adélie, e se descobrirem mais problemas sugiro que os submetam também; os programadores estão já perfeitamente adaptados ao sistema mas precisam que lhe relatem estas questões que aparecem a quem é um utilizador vulgar que experimenta o sistema pela primeira vez.
O projecto Adélie é pequeno e por isso a comunicação é fácil e descomplicada, de tal forma que consegui entrar em contacto com a equipa que me explicou que esta versão RC2 foi produzida num momento muito complicado da vida do projecto por razões pessoais do programador principal (que compreendo perfeitamente, mas é preocupante que a distro esteja tão dependente de uma só pessoa) e que uma versão RC3 está garantida e a RC4 também é muito provável.
Na minha opinião ainda nem chegou ao que se costuma chamar de Beta, mas a realidade é que a versão 1.0 é que vai ser a Public Beta, com uma versão 1.5 planeada para estabilização; o que deixa o Adélie Linux muito bem acompanhado, porque o OSX teve exactamente o mesmo padrão de desenvolvimento, mesmo com duas décadas de existência prévia como NextStep/OpenStep - só na versão OSX 10.2 Jaguar é que se tornou possível usá-lo como sistema do dia-a-dia sem praguejar como um carroceiro de 5 em 5 minutos.